quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma epopeia pernambucana


Rodrigo Martins

As questões da teatralidade brasileira e o interesse pela cultura popular brasileira levaram a diretora Adriana Schneider ao inesperado. Após ler obras do teatrólogo Hermilo Borba Filho sobre o mamulengo e expressões teatrais populares de Pernambuco, decidiu ir à Zona da Mata pernambucana conhecer de perto a arte e os artistas daquele local. Foi ao encontro de um mestre mamulengueiro chamado Severino da Cocada e acabou encontrando outro, de mesmo nome, que a encantou ao apresentar o cordel. O evento inspirou a peça O reino do mar sem fim, que estará em cartaz no Teatro Municipal do Jockey até 28 de novembro.

"Ele pegou uma caderneta onde anotava as dívidas de seus fregueses na barbearia, abriu uma página em branco e começou a cantar durante 16 minutos, sem parar. Tive realmente um momento de êxtase, uma epifania propriamente. Desde então, sabia que aquele material deveria ganhar a cena por ter sido um evento único, dessas surpresas que aparecem durante o trabalho de campo e que são a expressão da própria vida pulsante", diz a diretora, também integrante do Grupo Pedras, que completará 10 anos de trabalho continuado, com os mesmos integrantes, em 2011. O reino do mar sem fim será o quarto espetáculo
do elenco que ainda conta com Marina Bezze, Helena Stewart e Diogo Magalhães.

Para não cair no lugar comum das peças inspiradas na cultura popular, Adriana e o Grupo Pedras esperaram 14 anos para amadurecer a pesquisa com o mamulengo e o cavalo-marinho e apresentar ao público um espetáculo onde a temática é abordada como se apresenta em campo, com suas contradições e sua relação intensa com a contemporaneidade.

"São expressões teatrais fascinantes, extremamente vivas na região. O mamulengo utiliza bonecos, enquanto o cavalo-marinho se utiliza de máscaras. Há uma correspondência muito forte, principalmente na forma como são estruturados os personagens. São tipos fixos, que atravessam o tempo histórico em longa duração, mas que se renovam a todo momento, justamente porque conjugam a universalidade e a particularidade", explica Adriana.

Jornalista, professora do curso de Direção Teatral da UFRJ, com mestrado em Teatro e doutorado em Antropologia, Adriana conta com sua própria coleção de mamulengos. Um deles pode ter mais de 100 anos. "Ganhei do Zé das Moças, tinha 87 anos quando o conheci, em 2004. Este boneco havia pertencido
ao mestre dele! A longa durabilidade se deve à qualidade da madeira, o pau de mulungu, que dura mais que o próprio mamulengueiro", diz.

A coleção ficará em exposição no mezanino do Teatro do Jockey, dando ao público a chance de navegar no universo dos mamulengos e de seus mestres. Vinte e cinco obras estarão dispostas em estruturas de bambu construídas especialmente para a ocasião. Textos e fotos complementam a mostra, que é homônima ao espetáculo.

Serviço
O reino do mar sem fim – Teatro Municipal do Jockey – Rua Bartolomeu Mitre, 1.110 – Gávea
Sábados e domingos às 19h – Fone: (21) 3114-1286 – Iingresso: R$ 30 (dia 14, R$ 1) – Até 28 de novembro

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de novembro de 2010.
Caderno Artes, página 5.