terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Casamento sonoro perfeito


Rodrigo Martins

Após 26 anos do primeiro CD solo, Bom de tocar, o instrumentista Ricardo Silveira lança seu mais novo disco, Até amanhã, coletânea de suas músicas mais presentes em shows e mais conhecidas pelos amigos, colegas músicos e aqueles que prestigiam os discos e as apresentações deste ícone da música brasileira. Neste CD, Ricardo convidou Vittor Santos para fazer seis dos arranjos de sopros, Marcelo Martins, que fez um, e Jessé Sadoc. Ele mesmo assina o arranjo de Portal da Cor, divide o de Afoxé com Jessé e o de Rua 26 com Jessé e Marcelo. Os arranjos de sopros foram escritos para serem adicionados à gravação feita com o Rômulo Gomes (baixo) e André Tandeta (bateria), com quem vem tocando há um tempo, e gravados depois.

No trabalho há a intenção de uma sonoridade mais atemporal, com os instrumentos soando de maneira natural, sem muitos efeitos. No estúdio, o trio tentou chegar perto do espírito ao vivo dos shows que vinham fazendo. A experiência de participar do projeto Ouro Negro, Moacir Santos, em estúdio e ao vivo, contribuiu para a ideia dos arranjos de sopros, tendo a guitarra como solista da "orquestra". Em alguns casos foram adicionados detalhes de guitarra ou violão.

“Os arranjos foram feitos em função do que foi tocado pelo trio; eles trouxeram outro olhar para as músicas,
foi uma soma. Sou fã do Vittor Santos, ano passado passei um tempo estudando com ele. Os arranjos
dele são incríveis”, conta Silveira.

Depois de ouvir o disco, o músico Chico Pinheiro ressalta a generosidade
com a qual cada músico participante é colocado à vontade dentro de sua especialidade e relata o que sentiu.
“Após escutar Até amanhã, os primeiros sentimentos que me vieram foram os de surpresa e gratidão. Surpresa pela absoluta reinvenção de cada um dos temas já conhecidos. Seja pela concepção de base, toda gravada ao vivo, seja pelos arranjos de sopros sofisticados e inventivos de Vittor Santos, Marcelo Martins, Jessé Sadoc e dele mesmo. Gratidão, pois trata-se de um disco de celebrações – aos amigos, às parcerias, ao violão e à guitarra, à brasilidade, à própria música e à vida – e Ricardo gentilmente nos convida a participar como degustadores da música resultante desse encontro especial.”

Em Até amanhã, Ricardo Silveira foi produtor, compositor, instrumentista e arranjador. Em algumas músicas,
chega a tocar mais de um instrumento. No fim, um resultado excelente, um disco com a cara da música
brasileira e uma sonoridade belíssima. “Gosto do que faço e a dificuldade varia de acordo com prazos, orçamento etc. Compor é um prazer, mas é bem difícil às vezes, é trabalho. Produzir com pouca grana, também, mas a realização, ver o disco pronto, é um grande prazer”, diz.

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira, fim de semana e segunda-feira, 24, 25, 26 e 27 de dezembro de 2010.
Caderno Artes, página 2.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Chile que ninguém viu

Rodrigo Martins

No ano do bicentenário da independência do Chile, o Museu de Arte Moderna do Rio resolveu prestar uma homenagem aos vizinhos sul-americanos. De 2 a 12 de dezembro a cinemateca do MAM apresenta uma retrospectiva do cinema chileno, cobrindo desde o período silencioso, passando pela época da ditadura e a transição até os filmes do século atual, quando a produção cinematográfica local deu um salto extraordinário.

"O cinema chileno vive um dos períodos mais intensos e ricos de sua história. O setor se vê amparado pela chamada Lei de Fomento Audiovisual. No seio desse atual aumento da cultura cinematográfica no Chile está a inauguração, em 2006, da Cineteca Nacional de Chile, órgão integrante do Centro Cultural Palácio La Moneda e membro da FIAF (Fédération Internationale des Archives du Film)", explica Fabián Núñez, pesquisador especialista em cinema chileno, professor da UFF e colaborador da mostra.

A retrospectiva é uma oportunidade única para os amantes do cinema conhecerem um pouco mais sobre essa rica produção. É notório e intrigante o desconhecimento e a falta de acesso aos filmes do Chile. Segundo Núñez, "não é uma singularidade do Chile. Os filmes latino-americanos dificilmente circulam pelo nosso próprio mercado. No entanto, recentemente, alguns filmes chilenos têm chegado ao mercado brasileiro, como Machuca (2004) de Andrés Wood, En la cama ("Na cama"; 2005) e Tony Manero (2009), de Pablo Larraín, coproduzido com Brasil".

A mostra começa com o Programa de curtas do Coletivo Corazón Popular Internacional. Filmes contemporâneos, produzidos a partir de 2002. Na sexta-feira, às 18h30, será a vez dos documentários histórios silenciosos – produções do início do século 20 – dentre os quais, destaca-se Recuerdos del mineral "El Teniente", de Salvador Giambastiani (1919), talvez o mais importante pioneiro do cinema chileno. No sábado, às 18h, será exibido El chacal de Nahueltoro, de Miguel Littín (1967), único exemplar do cinema novo chileno – uma época de muita influência de cineastas brasileiros exilados, tais como, Glauber Rocha e Silvio Tendler.

No domingo, duas fases distintas. Um filme do período de transição e uma comédia do século 21. Livres das censuras, tanto o gênero cômico quanto o erotismo ganham as telas chilenas. Às 16h, um dos expoentes dessa transformação será apresentado: Negócio redondo, de Ricardo Carrasco (2001), a história de três homens que resolvem vender mariscos a preços exorbitantes na semana santa. Às 18h, um retrato da época marcada por uma retórica traumática por causa dos dias difíceis do domínio militar. Caluga o menta, de Gonzalo Justiniano (1990), conta a história de um jovem sem esperança que vive na periferia de Santiago, entre a rua, o ócio e a delinquencia.

Os destaques dos últimos dias ficam por conta de Julio comienza en julio, de Silvio Caiozzi (1977) – em exibição na sexta-feira, dia 10, às 18h30 – "O primeiro filme considerado relevante após o Golpe, em termos estéticos e comerciais", de acordo com Fabián Núñez. No sábado, dia 11, às 16h e 18h, Johnny cien pesos, de Gustavo Graef-Marino (1993) e La buena vida, de Andres Wood (2008), Prêmio Goya de melhor filme hispano-americano e melhor filme no Festival de Huelva de 2008.


Para encerrar, no domingo, dia 12, nos mesmos horários, outras duas produções de épocas contrastantes. Sexo con amor, de Boris Quercia (2003) e Diálogos de exilados, Raul Ruiz (1975). A mostra ainda conta com clássicos do cinema mundial como o polêmico Salomé, de Charles Bryant (EUA; 1923), com Alla Nazimova, e Rocco ei suoi fratelli, de Luchino Visconti (Itália; 1960), com Alain Delon.

Para Fabián Núñez, esta iniciativa do MAM visa a "despertar o interesse por uma cinematografia rica e instigante, com algumas semelhanças com a nossa e, por outro lado, distante e desconhecida. Em constante renovação e com a capacidade de surpreender com autores e obras, apesar do modesto volume de produção, em relação a outras cinematografias do subcontinente latino-americano".

Como saiu no Jornal do Commercio
Edição de sexta-feira e fim de semana, 3, 4 e 5 de dezembro de 2010
Caderno Artes, página 6