Rodrigo Martins
Uma exposição para viajar pelas lembranças de Iberê Camargo. A proposta é do curador francês Jacques Leenhardt que teve o cuidado de escolher, dentre as mais de 5 mil opções do acervo, 52 obras que melhor guiassem os visitantes através de Iberê Camargo – Os meandros da memória. "Tentei construir uma exposição oferecendo um caminho, um fio de Ariane, para o espectador entender e ver como as formas se engendram umas às outras", explica Leenhardt. A mostra marca o 15º aniversário da Fundação Iberê Camargo, onde estará aberta ao público até 3 de abril de 2011.
Iberê não se encaixa em nada formal, construtivo ou pop. Se aproximou, através dos movimentos pós-cubista, que conheceu na Europa (Morandi e Lhote), de uma certa abstração. Segundo Leenhardt, "fugiu ao formalismo para deixar as formas dançarem, como se vê na maneira dele jogar com o objeto fetiche: o carretel." Para o curador, tão importante para o Brasil quanto produzir o movimento concreto e neoconcreto ou o pop dos anos 70, também é possuir artistas como Iberê Camargo, solitários e profundos. "Ele era e permaneceu um solitário, ou, como dizia, um andarilho."
Como todo artista importante ele soube lidar tanto com as propostas que a história da arte no século 20 lhe oferecia quanto com os dramas da sua vida pessoal. Iberê foi sempre obsessivo na busca de quem somos, de como produzir sentidos com formas e cores, de como representar os interrogantes mais fundos da vida. "A multiplicação dos autorretratos, a retomada dos mesmos temas (carretel, ciclista) não constituem então uma simples repetição, senão tentativas sempre renovadas através de técnicas e de composições diversas de se aproximar de uma verdade que sempre foge. Isto é a marca de um verdadeiro artista, isto é marcante", explica Leenhardt.
Para desenvolver o trabalho, o filósofo e sociólogo Leenhardt, diretor da Escola de Altos Estudos Sociais em Paris e presidente da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA), se debruçou sobre um grande volume de documentos, cartas, entrevistas e textos literários – principalmente sobre o livro de memórias Gaveta dos guardados, escrito pelo artista e recentemente relançado pela editora Cosac Naify. A relação com o passado, como um mundo feliz e desaparecido, dá sua nota de melancolia a uma das buscas pictóricas mais consequentes e solitárias da pintura brasileira dos últimos 50 anos.
"Fazer um trabalho consequente não significa ficar num gênero ou num estilo. Para mim, ser consequente significa orientar todas as forças para um fim. No caso de muitos artistas deste período, não se trata de representar o mundo, mas sim tentar achar o pouco de verdade que possuímos. É um trabalho infinito, como chegar ao horizonte que sempre recua. Por isso ele fala sempre dele mesmo como um andarilho, um ciclista à busca dos sonhos impossíveis ou inatingíveis", diz Leenhardt.
Para o curador, a busca pelo tempo perdido perpassa todas as temáticas trabalhadas pelo artista. Leenhardt retraça grandes momentos, especialmente a partir dos estudos, nos anos 40, em Roma, com o pintor italiano Giorgio De Chirico. "No atelier de De Chirico, ele aprendeu as técnicas, no de Lhote, a composição. Agora, se pode falar de outra influência, que o próprio Iberê talvez reconheceu só depois, utilizando temas do pintor italiano, como o carretel, o manequim, a chaminé. Não para copiar, mas como um exercício para reencontrar o que ele certamente tinha percebido desde o começo: o clima misterioso das coisas no mundo pictórico do De Chirico. Isto encontrava a própria experiência do Iberê", conta Leenhardt.
Nesta exposição, o curador dá importância particular aos desenhos – a maior parte exibida ao público pela primeira vez –, pois revelam, de maneira espontânea, a sua visão trágica da vida, além de mostrar a insatisfação com a finalização de suas obras. "Através do desenho, o artista libera-se do que há de definitivo e mortífero na obra acabada", elucida Leenhardt. "Além da liberdade, o desenho oferece a rapidez. Iberê sempre desejava ser rápido, ter um gesto rápido, na pintura como no desenho. A simplificação do traço o leva a mais verdade. A rapidez de execução de um quadro o leva a mais quadros. A pintura, pintar, produzir quadros, era para ele como uma necessidade. Como o ciclista que não pode parar, senão cai!"
Serviço
Iberê Camargo - Os meandros da memória
Até 3 de abril de 2011
Terça a domingo, das 12 às 19 horas e quinta, das 12 às 21 horas
Fundação Iberê Camargo
Av. Padre Cacique, 200 - Porto Alegre
Entrada franca
Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 15, 16 e 17 de outubro de 2010.
Caderno Artes, páginas 1 e 2.
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