terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Casamento sonoro perfeito


Rodrigo Martins

Após 26 anos do primeiro CD solo, Bom de tocar, o instrumentista Ricardo Silveira lança seu mais novo disco, Até amanhã, coletânea de suas músicas mais presentes em shows e mais conhecidas pelos amigos, colegas músicos e aqueles que prestigiam os discos e as apresentações deste ícone da música brasileira. Neste CD, Ricardo convidou Vittor Santos para fazer seis dos arranjos de sopros, Marcelo Martins, que fez um, e Jessé Sadoc. Ele mesmo assina o arranjo de Portal da Cor, divide o de Afoxé com Jessé e o de Rua 26 com Jessé e Marcelo. Os arranjos de sopros foram escritos para serem adicionados à gravação feita com o Rômulo Gomes (baixo) e André Tandeta (bateria), com quem vem tocando há um tempo, e gravados depois.

No trabalho há a intenção de uma sonoridade mais atemporal, com os instrumentos soando de maneira natural, sem muitos efeitos. No estúdio, o trio tentou chegar perto do espírito ao vivo dos shows que vinham fazendo. A experiência de participar do projeto Ouro Negro, Moacir Santos, em estúdio e ao vivo, contribuiu para a ideia dos arranjos de sopros, tendo a guitarra como solista da "orquestra". Em alguns casos foram adicionados detalhes de guitarra ou violão.

“Os arranjos foram feitos em função do que foi tocado pelo trio; eles trouxeram outro olhar para as músicas,
foi uma soma. Sou fã do Vittor Santos, ano passado passei um tempo estudando com ele. Os arranjos
dele são incríveis”, conta Silveira.

Depois de ouvir o disco, o músico Chico Pinheiro ressalta a generosidade
com a qual cada músico participante é colocado à vontade dentro de sua especialidade e relata o que sentiu.
“Após escutar Até amanhã, os primeiros sentimentos que me vieram foram os de surpresa e gratidão. Surpresa pela absoluta reinvenção de cada um dos temas já conhecidos. Seja pela concepção de base, toda gravada ao vivo, seja pelos arranjos de sopros sofisticados e inventivos de Vittor Santos, Marcelo Martins, Jessé Sadoc e dele mesmo. Gratidão, pois trata-se de um disco de celebrações – aos amigos, às parcerias, ao violão e à guitarra, à brasilidade, à própria música e à vida – e Ricardo gentilmente nos convida a participar como degustadores da música resultante desse encontro especial.”

Em Até amanhã, Ricardo Silveira foi produtor, compositor, instrumentista e arranjador. Em algumas músicas,
chega a tocar mais de um instrumento. No fim, um resultado excelente, um disco com a cara da música
brasileira e uma sonoridade belíssima. “Gosto do que faço e a dificuldade varia de acordo com prazos, orçamento etc. Compor é um prazer, mas é bem difícil às vezes, é trabalho. Produzir com pouca grana, também, mas a realização, ver o disco pronto, é um grande prazer”, diz.

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira, fim de semana e segunda-feira, 24, 25, 26 e 27 de dezembro de 2010.
Caderno Artes, página 2.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Chile que ninguém viu

Rodrigo Martins

No ano do bicentenário da independência do Chile, o Museu de Arte Moderna do Rio resolveu prestar uma homenagem aos vizinhos sul-americanos. De 2 a 12 de dezembro a cinemateca do MAM apresenta uma retrospectiva do cinema chileno, cobrindo desde o período silencioso, passando pela época da ditadura e a transição até os filmes do século atual, quando a produção cinematográfica local deu um salto extraordinário.

"O cinema chileno vive um dos períodos mais intensos e ricos de sua história. O setor se vê amparado pela chamada Lei de Fomento Audiovisual. No seio desse atual aumento da cultura cinematográfica no Chile está a inauguração, em 2006, da Cineteca Nacional de Chile, órgão integrante do Centro Cultural Palácio La Moneda e membro da FIAF (Fédération Internationale des Archives du Film)", explica Fabián Núñez, pesquisador especialista em cinema chileno, professor da UFF e colaborador da mostra.

A retrospectiva é uma oportunidade única para os amantes do cinema conhecerem um pouco mais sobre essa rica produção. É notório e intrigante o desconhecimento e a falta de acesso aos filmes do Chile. Segundo Núñez, "não é uma singularidade do Chile. Os filmes latino-americanos dificilmente circulam pelo nosso próprio mercado. No entanto, recentemente, alguns filmes chilenos têm chegado ao mercado brasileiro, como Machuca (2004) de Andrés Wood, En la cama ("Na cama"; 2005) e Tony Manero (2009), de Pablo Larraín, coproduzido com Brasil".

A mostra começa com o Programa de curtas do Coletivo Corazón Popular Internacional. Filmes contemporâneos, produzidos a partir de 2002. Na sexta-feira, às 18h30, será a vez dos documentários histórios silenciosos – produções do início do século 20 – dentre os quais, destaca-se Recuerdos del mineral "El Teniente", de Salvador Giambastiani (1919), talvez o mais importante pioneiro do cinema chileno. No sábado, às 18h, será exibido El chacal de Nahueltoro, de Miguel Littín (1967), único exemplar do cinema novo chileno – uma época de muita influência de cineastas brasileiros exilados, tais como, Glauber Rocha e Silvio Tendler.

No domingo, duas fases distintas. Um filme do período de transição e uma comédia do século 21. Livres das censuras, tanto o gênero cômico quanto o erotismo ganham as telas chilenas. Às 16h, um dos expoentes dessa transformação será apresentado: Negócio redondo, de Ricardo Carrasco (2001), a história de três homens que resolvem vender mariscos a preços exorbitantes na semana santa. Às 18h, um retrato da época marcada por uma retórica traumática por causa dos dias difíceis do domínio militar. Caluga o menta, de Gonzalo Justiniano (1990), conta a história de um jovem sem esperança que vive na periferia de Santiago, entre a rua, o ócio e a delinquencia.

Os destaques dos últimos dias ficam por conta de Julio comienza en julio, de Silvio Caiozzi (1977) – em exibição na sexta-feira, dia 10, às 18h30 – "O primeiro filme considerado relevante após o Golpe, em termos estéticos e comerciais", de acordo com Fabián Núñez. No sábado, dia 11, às 16h e 18h, Johnny cien pesos, de Gustavo Graef-Marino (1993) e La buena vida, de Andres Wood (2008), Prêmio Goya de melhor filme hispano-americano e melhor filme no Festival de Huelva de 2008.


Para encerrar, no domingo, dia 12, nos mesmos horários, outras duas produções de épocas contrastantes. Sexo con amor, de Boris Quercia (2003) e Diálogos de exilados, Raul Ruiz (1975). A mostra ainda conta com clássicos do cinema mundial como o polêmico Salomé, de Charles Bryant (EUA; 1923), com Alla Nazimova, e Rocco ei suoi fratelli, de Luchino Visconti (Itália; 1960), com Alain Delon.

Para Fabián Núñez, esta iniciativa do MAM visa a "despertar o interesse por uma cinematografia rica e instigante, com algumas semelhanças com a nossa e, por outro lado, distante e desconhecida. Em constante renovação e com a capacidade de surpreender com autores e obras, apesar do modesto volume de produção, em relação a outras cinematografias do subcontinente latino-americano".

Como saiu no Jornal do Commercio
Edição de sexta-feira e fim de semana, 3, 4 e 5 de dezembro de 2010
Caderno Artes, página 6


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma epopeia pernambucana


Rodrigo Martins

As questões da teatralidade brasileira e o interesse pela cultura popular brasileira levaram a diretora Adriana Schneider ao inesperado. Após ler obras do teatrólogo Hermilo Borba Filho sobre o mamulengo e expressões teatrais populares de Pernambuco, decidiu ir à Zona da Mata pernambucana conhecer de perto a arte e os artistas daquele local. Foi ao encontro de um mestre mamulengueiro chamado Severino da Cocada e acabou encontrando outro, de mesmo nome, que a encantou ao apresentar o cordel. O evento inspirou a peça O reino do mar sem fim, que estará em cartaz no Teatro Municipal do Jockey até 28 de novembro.

"Ele pegou uma caderneta onde anotava as dívidas de seus fregueses na barbearia, abriu uma página em branco e começou a cantar durante 16 minutos, sem parar. Tive realmente um momento de êxtase, uma epifania propriamente. Desde então, sabia que aquele material deveria ganhar a cena por ter sido um evento único, dessas surpresas que aparecem durante o trabalho de campo e que são a expressão da própria vida pulsante", diz a diretora, também integrante do Grupo Pedras, que completará 10 anos de trabalho continuado, com os mesmos integrantes, em 2011. O reino do mar sem fim será o quarto espetáculo
do elenco que ainda conta com Marina Bezze, Helena Stewart e Diogo Magalhães.

Para não cair no lugar comum das peças inspiradas na cultura popular, Adriana e o Grupo Pedras esperaram 14 anos para amadurecer a pesquisa com o mamulengo e o cavalo-marinho e apresentar ao público um espetáculo onde a temática é abordada como se apresenta em campo, com suas contradições e sua relação intensa com a contemporaneidade.

"São expressões teatrais fascinantes, extremamente vivas na região. O mamulengo utiliza bonecos, enquanto o cavalo-marinho se utiliza de máscaras. Há uma correspondência muito forte, principalmente na forma como são estruturados os personagens. São tipos fixos, que atravessam o tempo histórico em longa duração, mas que se renovam a todo momento, justamente porque conjugam a universalidade e a particularidade", explica Adriana.

Jornalista, professora do curso de Direção Teatral da UFRJ, com mestrado em Teatro e doutorado em Antropologia, Adriana conta com sua própria coleção de mamulengos. Um deles pode ter mais de 100 anos. "Ganhei do Zé das Moças, tinha 87 anos quando o conheci, em 2004. Este boneco havia pertencido
ao mestre dele! A longa durabilidade se deve à qualidade da madeira, o pau de mulungu, que dura mais que o próprio mamulengueiro", diz.

A coleção ficará em exposição no mezanino do Teatro do Jockey, dando ao público a chance de navegar no universo dos mamulengos e de seus mestres. Vinte e cinco obras estarão dispostas em estruturas de bambu construídas especialmente para a ocasião. Textos e fotos complementam a mostra, que é homônima ao espetáculo.

Serviço
O reino do mar sem fim – Teatro Municipal do Jockey – Rua Bartolomeu Mitre, 1.110 – Gávea
Sábados e domingos às 19h – Fone: (21) 3114-1286 – Iingresso: R$ 30 (dia 14, R$ 1) – Até 28 de novembro

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14 de novembro de 2010.
Caderno Artes, página 5.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Orgânicos são a atração do festival

Rodrigo Martins

Cinco finais de semana para se deliciar com um dos maiores festivais gastronômicos do País. Além das atrações que acontecem no Mercado Gourmet, uma tenda montada ao lado do Hortomercado de Itaipava, a décima edição do Petrópolis Gourmet, que começou na quinta-feira e vai até 27 de novembro, permitirá que os amantes da boa comida tenham mais tempo para apreciar o melhor da cozinha da Região Serrana. Participam 28 restaurantes, que tiveram o desafio de elaborar um menu utilizando alimentos orgânicos na confecção das receitas.

O tema principal desta edição é a comemoração dos dez anos do festival, com enfoque total nos orgânicos e na sustentabilidade. De acordo com Flávio Câmara, presidente do Petrópolis Convention & Visitors Bureau, entidade realizadora do evento, a produção orgânica passou a ser alternativa sustentável e de melhoria econômica dos minifúndios, além de propiciar o aumento da qualidade de vida dos consumidores.

“Este ano queremos deixar um legado para a nossa cidade que será a utilização de produtos orgânicos na confecção dos pratos desta e das próximas edições do Gourmet, além de incentivar o consumo de alimentos saudáveis. Queremos, também, promover o plantio de árvores nativas da Mata Atlântica, na área de proteção ambiental da Pedra do Elefante, para cada prato vendido no festival. Essa será a trajetória seguida daqui pra frente no Petrópolis Gourmet”, afirma Câmara.

O Petropolis Gourmet foi incluído na lista dos 31 projetos que mais promovem o fluxo turístico no Brasil. Estar nesta lista é uma conquista e tanto para os organizadores que recebem, do Ministério do Turismo, apoio fundamental, tendo em vista a necessidade de infraestrutura, não só para a montagem da tenda, mas para a cozinha, os estandes e a mão de obra. Segundo Câmara, sem este apoio ficaria difícil custear todas as necessidades, pois a cidade não possui Arena Multiuso para a realização de eventos.

“Dedico essa conquista principalmente à profissionalização do evento, ao trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo dos dez anos, superando obstáculos e adversidades, e também às inovações criadas. É uma grande satisfação ver a dedicação pessoal de quem participou da organização do Petrópolis Gourmet nesses dez anos, o esforço da equipe multidisciplinar foi incrível", diz Câmara.

Duas atrações prometem se destacar: as Oficinas Gastronômicas, com chefs especializados em alimentos orgânicos e o Concurso Cultural Gastronômico, que se repetirá devido ao sucesso do ano passado. Realizado em parceria com o Senac Rio e o Instituto Regional de Cooperação e Desenvolvimento da Alsace/França (Ircod), o concurso é voltado para estudantes de gastronomia e gourmets, residentes no estado do Rio de Janeiro. O evento visa à descoberta de novos talentos gastronômicos e tem como prêmio oportunidades de desenvolvimento e qualificação dos vencedores. O primeiro lugar ganha uma bolsa de estudos de dez dias na França, com tudo pago.

“A união e parceria com entidades acadêmicas nacionais e internacionais são fundamentais para a execução das etapas. O grande diferencial é proporcionar o que há de melhor na capacitação na área de gastronomia e na troca de experiências vivenciadas pelos participantes”, explica Câmara.

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 29, 30 e 31 de outubro de 2010.
Caderno Artes, página 2.

29/10/10 - Empresas aderem às redes sociais


texto: Giulia Peluso, ilustração: Rodrigo Roussoulieres


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Lonas de caminhão como tela e inspiração


Rodrigo Martins

Natural de Aracajú, Aecio Sarti é daqueles artistas que desde criança já sabiam o que iriam fazer quando crescessem. Há seis anos em Paraty, balneário do Rio considerado por ele recanto insubstituível, pinta à beira do cais com as portas de seu ateliê abertas ao público, o que o levou a conhecer Carolina Coutinho, grande admiradora, que trocou o mercado financeiro para ser marchand de Sarti. "Segui meu coração. Decidi apostar num amigo com um talento incrível. Desta forma posso ajudá-lo com a parte comercial e administrativa." Juntos inauguraram a Galeria Aecio Sarti, no último dia 19, em Madalena, São Paulo, com a exposição O muro da minha rua, que segue até início de novembro. Parte da renda será destinada para a fundação internacional Lama Gangchen, que tem como missão promover a paz mundial.

Sarti trabalha a partir da reutilização das lonas de caminhão, que, segundo ele, possuem uma grande bagagem de histórias em seu tecido, além de muita energia. "Eu recebo a lona em seu último estágio de aproveitamento. Aquela que passou do caminhoneiro rico para o caminhoneiro mais pobre e já chegou às oficinas de beira de estrada, que recebem esse material já sem a proteção de cera que a torna impermeável. A partir daí, dou um tratamento especial ao tecido para que consiga pintar e extrair o efeito desejado."

A mostra apresentará 15 trabalhos do artista inspirados na história, de sua autoria, sobre Fernando dos Santos. Um garoto simples que tinha o sonho de ser estilista, mas não podia realizá-lo, pois meninos só podiam jogar futebol. Começa então a pintar seus modelos no muro de sua rua para que as pessoas passassem a se vestir melhor. As telas de Sarti apresentam ao fundo imagens que remetem aos desenhos de Fernando e, em primeiro plano, as figuras alongadas características de sua obra.

A exposição homenageará duas grandes amigas do artista: Cesarina Riso, que abriu a Galeria Villa Riso, no Rio de Janeiro, para uma exposição, e Daisy Justus, psicanalista e escritora, autora do texto Aecio Sarti, as lonas e as diferentes faces do amor, sobre o trabalho do artista, e que, em breve, estará escrevendo a biografia de Sarti. Ambas são mencionadas no conto que inspira a mostra inaugural.

O muro da minha rua
Galeria Aecio Sarti
Rua Harmonia 293 – Vila Madalena
De 3ª a sexta das 10h às 20h
Sábados das 10h as 20h
Domingos das 13h às 17h
www.aeciosarti.com

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 22, 23 e 24 de outubro de 2010
Caderno Artes, página 3





22/10/10 - Negócios da China

texto Anna Beatriz Paraguassú

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Iberê: voo solo e solitário

Rodrigo Martins

Uma exposição para viajar pelas lembranças de Iberê Camargo. A proposta é do curador francês Jacques Leenhardt que teve o cuidado de escolher, dentre as mais de 5 mil opções do acervo, 52 obras que melhor guiassem os visitantes através de Iberê Camargo – Os meandros da memória. "Tentei construir uma exposição oferecendo um caminho, um fio de Ariane, para o espectador entender e ver como as formas se engendram umas às outras", explica Leenhardt. A mostra marca o 15º aniversário da Fundação Iberê Camargo, onde estará aberta ao público até 3 de abril de 2011.

 Iberê não se encaixa em nada formal, construtivo ou pop. Se aproximou, através dos movimentos pós-cubista, que conheceu na Europa (Morandi e Lhote), de uma certa abstração. Segundo Leenhardt, "fugiu ao formalismo para deixar as formas dançarem, como se vê na maneira dele jogar com o objeto fetiche: o carretel." Para o curador, tão importante para o Brasil quanto produzir o movimento concreto e neoconcreto ou o pop dos anos 70, também é possuir artistas como Iberê Camargo, solitários e profundos. "Ele era e permaneceu um solitário, ou, como dizia, um andarilho."

Como todo artista importante ele soube lidar tanto com as propostas que a história da arte no século 20 lhe oferecia quanto com os dramas da sua vida pessoal. Iberê foi sempre obsessivo na busca de quem somos, de como produzir sentidos com formas e cores, de como representar os interrogantes mais fundos da vida. "A multiplicação dos autorretratos, a retomada dos mesmos temas (carretel, ciclista) não constituem então uma simples repetição, senão tentativas sempre renovadas através de técnicas e de composições diversas de se aproximar de uma verdade que sempre foge. Isto é a marca de um verdadeiro artista, isto é marcante", explica Leenhardt.

Para desenvolver o trabalho, o filósofo e sociólogo Leenhardt, diretor da Escola de Altos Estudos Sociais em Paris e presidente da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA), se debruçou sobre um grande volume de documentos, cartas, entrevistas e textos literários – principalmente sobre o livro de memórias Gaveta dos guardados, escrito pelo artista e recentemente relançado pela editora Cosac Naify. A relação com o passado, como um mundo feliz e desaparecido, dá sua nota de melancolia a uma das buscas pictóricas mais consequentes e solitárias da pintura brasileira dos últimos 50 anos.

"Fazer um trabalho consequente não significa ficar num gênero ou num estilo. Para mim, ser consequente significa orientar todas as forças para um fim. No caso de muitos artistas deste período, não se trata de representar o mundo, mas sim tentar achar o pouco de verdade que possuímos. É um trabalho infinito, como chegar ao horizonte que sempre recua. Por isso ele fala sempre dele mesmo como um andarilho, um ciclista à busca dos sonhos impossíveis ou inatingíveis", diz Leenhardt.

Para o curador, a busca pelo tempo perdido perpassa todas as temáticas trabalhadas pelo artista. Leenhardt retraça grandes momentos, especialmente a partir dos estudos, nos anos 40, em Roma, com o pintor italiano Giorgio De Chirico. "No atelier de De Chirico, ele aprendeu as técnicas, no de Lhote, a composição. Agora, se pode falar de outra influência, que o próprio Iberê talvez reconheceu só depois, utilizando temas do pintor italiano, como o carretel, o manequim, a chaminé. Não para copiar, mas como um exercício para reencontrar o que ele certamente tinha percebido desde o começo: o clima misterioso das coisas no mundo pictórico do De Chirico. Isto encontrava a própria experiência do Iberê", conta Leenhardt.

Nesta exposição, o curador dá importância particular aos desenhos – a maior parte exibida ao público pela primeira vez –, pois revelam, de maneira espontânea, a sua visão trágica da vida, além de mostrar a insatisfação com a finalização de suas obras. "Através do desenho, o artista libera-se do que há de definitivo e mortífero na obra acabada", elucida Leenhardt. "Além da liberdade, o desenho oferece a rapidez. Iberê sempre desejava ser rápido, ter um gesto rápido, na pintura como no desenho. A simplificação do traço o leva a mais verdade. A rapidez de execução de um quadro o leva a mais quadros. A pintura, pintar, produzir quadros, era para ele como uma necessidade. Como o ciclista que não pode parar, senão cai!"

Serviço
Iberê Camargo - Os meandros da memória
Até 3 de abril de 2011
Terça a domingo, das 12 às 19 horas e quinta, das 12 às 21 horas
Fundação Iberê Camargo
Av. Padre Cacique, 200 - Porto Alegre
Entrada franca

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 15, 16 e 17 de outubro de 2010.
Caderno Artes, páginas 1 e 2.


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Aprendizado informal atrai profissionais de várias áreas

Rodrigo Martins

Sem tempo ou dinheiro para pós-graduações e cansados da rotina de sala de aula (embora ávidos por aprendizado, se possível num ambiente informal), aqueles que buscam capacitação têm, atualmente, a opção dos cursos livres. Sejam cursos públicos ou privados, pagos ou gratuitos, o que importa é garantir atualização e aquisição de conhecimentos – e se engana quem pensa que o método de aprendizagem mais relaxado, como um hobby, não traz ganhos profissionais.

Surama Ozório, gerente de vendas da ClaireConference, participou, recentemente, da palestra Nobre Arte do Palhaço, ministrada pelo Boteco do Conhecimento – iniciativa de quatro professores baseada na ideia norte-americana de “edutainment”, da mistura do inglês educação (education) com entretenimento (entertainment). Ela buscava uma experiência menos formal, mas nem por isso desprovida de conteúdo. “As dicas que ouvi, sobre como quebrar o estresse e prender a atenção da plateia com risos e complacência, se encaixam perfeitamente no dia a dia de quem trabalha na área de vendas”, diz.

Outra que já frequentou as palestras do Boteco é a gerente de contas da W/McCann, Juliana Senna. “Os temas são abordados de modo divertido e descontraído, levando o profissional a perceber qualidades de uma maneira não-didática. É uma experiência de autoconhecimento”, observa Juliana.

SURGIMENTO. A ideia do Boteco do Conhecimento surgiu de uma conversa informal entre quatro executivos com experiência no ensino tradicional e um pensamnto ambicioso: romper padrões e introduzir uma nova maneira de ensinar. Os quatro têm bagagem acadêmica invejável, mestrado em renomadas instituições e experiência em grandes empresas como Claro, Ibmec, Gillete e Amil. O que não significa, porém, que o currículo profissional é o principal critério de escolha dos chefs (professores) da equipe do espaço.

“Para ser um chef do Boteco tem que ter conhecimento sobre o que vai falar, gostar do que vai falar, ter irreverência na hora de entregar o prato, de mostrar o conteúdo, e, por último, gostar muito de pessoas. Não interessa se é formado, graduado, mestre ou doutor. Interessa a bagagem, o conteúdo, o estímulo e a capacidade de relacionamento para que os alunos absorvam o que está sendo passado”, explica André Acioli, sócio do Boteco e mestre em Administração pela UFRJ.

DIFERENCIAIS. Os encontros no Boteco acontecem regularmente, das 18h30min às 22h30min, com intervalo de 20 minutos. Uma vez por mês são apresentadas palestras gratuitas e qualquer um é sempre bem vindo para fazer a “degustação”. Para as empresas, a instituição também oferece “cardápios sob medida”. A companhia enumera suas necessidades e a equipe do Boteco monta uma grade específica, que pode ser ministrada no próprio ambiente de trabalho.

Este mês, o Boteco passou a oferecer, ainda, cursos em inglês, no horário do almoço. “Quem trabalha no Centro pode aproveitar o almoço para fazer um curso e, ao mesmo tempo, aumentar a fluência em inglês”, explica Acioli. “O principal atrativo deste novo prato é desenvolver e encontrar as palavras-chaves que você vai utilizar nos negócios e mesmo no relacionamento com as pessoas de sala”, completa Augusto Uchôa, sócio e mestre em Administração pelo Ibmec-RJ.

Como saiu no Jornal do Commercio.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 8, 9 e 10 de outubro.
Caderno B, página 16.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mostra John Ford celebra 21 anos do CCBB

John Ford

Cena do filme "Rastros de ódio"



































Rodrigo Martins

No dia em que comemora 21 anos, o CCBB prestará homenagem a um dos maiores ícones do cinema mundial. De 12 de outubro a 7 de novembro, a mostra John Ford apresentará 37 filmes – 36 longas e um curta. A maioria leva a assinatura do diretor e será exibida em película (35mm ou 16mm), exceto Directed by John Ford, documentário dirigido por Peter Bogdanovich, que será exibido em DVD.

Um livro-catálogo com mais de 400 páginas, editado exclusivamente para a mostra, poderá ser adquirido gratuitamente pelo espectador que apresentar cinco ingressos. Para complementar, será oferecido um curso com críticos, pesquisadores e professores. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo e-mail: curso@johnford.com.br.

Segundo o curador Leonardo Levis, "John Ford foi um dos diretores mais influentes de todos os tempos, alguém que ajudou a amadurecer a linguagem clássico-narrativa e o gênero western, e talvez o nome mais importante da Era de Ouro do cinema hollywoodiano. Em um plano mais subjetivo, mas não menos verdadeiro, Ford foi um cineasta de estilo único, um poeta da imagem, dono de enorme apuro visual, que, nos seus filmes, narrou a história americana como nenhum outro."

Com mais de 140 filmes sob sua direção, quatro Oscars de Melhor Diretor e um de Melhor Filme (Como era verde meu vale), Ford consegue estar acima de qualquer rótulo. Orson Welles o definia como o "maior poeta que o cinema já nos deu." A crítica especializada o chama de Homero Americano. Para Levis, o diretor norte-americano detém esta alcunha "porque nenhum outro cineasta contou, com tantos filmes, tantos detalhes e tanto apuro visual a história dos Estados Unidos. Boa parte da obra de Ford é dedicada a esse tema, e, apesar de uma ênfase maior nas Guerras Indígenas, sua obra vai desde a Guerra da Secessão até a era da televisão, passando pela Grande Depressão, pelas duas Grandes Guerras, traçando um caminho único e insubstituível."

Como não há uma fundação Ford, que guarde ou tenha informações sobre seus filmes, os curadores Leonardo Levis e Raphael Mesquita tiveram que pesquisar em cinematecas e arquivos do mundo inteiro, em busca das melhores cópias possíveis. "Foram dezenas e dezenas de emails e ligações, em um trabalho longo e exaustivo, sempre no intuito de não deixar nada de qualidade de fora da mostra. Finalmente, chegamos à lista final, na qual trouxemos filmes de dez acervos diferentes, localizados em sete países", conta Levis.

A mostra será uma oportunidade rara e única de conferir cópias novas e restauradas de grandes clássicos do cinema americano. Será fruto de uma vontade pessoal: a possibilidade de acompanhar, em película e no cinema, a obra de um dos mais lendários e importantes diretores de todos os tempos, mas cujos filmes raramente passam no Brasil. Serão exibidos filmes de todos os períodos e gêneros de Ford, mostrando que sua obra multifacetada possui ainda hoje enorme vigor e beleza.

"Apesar de sua importância, não há disponível nenhuma cópia em película dos filmes de Ford em cinematecas e acervos brasileiros. Isso se torna ainda mais grave quando pensamos que os filmes de Ford ganham muito quando exibidos no cinema, em película, da forma como foram planejados. Fora isso, a mostra não é apenas uma oportunidade de exibir os filmes de Ford a antigos amantes de seu cinema, mas de apresentar a obra desse cineasta seminal a uma nova geração de espectadores", define Levis.

Além das sessões de cinema será oferecido o curso John Ford. Funcionará como um complemento à exibição dos filmes, no qual o estilo e os temas mais caros ao diretor, bem como sua relação com os gêneros e com o cinema de estúdio, serão estudados e relacionados. Dessa forma, o espectador que acompanhar os filmes terá, também, a chance de entender tudo que está contido nele e que define, de forma única, o cinema de Ford.

A ideia partiu dos curadores da mostra, a fim de, juntamente ao livro-catálogo, aprofundar a obra de John Ford para além da simples exibição de seus filmes. Juntamente a cada professor, e levando em conta seus interesses e conhecimentos específicos, foram pensados os temas necessários para que o curso pudesse abarcar todos os assuntos necessários à compreensão da obra de Ford.

Como saiu no Jornal do Commercio esta matéria e a de baixo.
Edição de sexta-feira e fim de semana, 8, 9 e 10 de outubro de 2010.
Caderno Artes, página 5.

Jazz com sabor holandês
















Rodrigo Martins

A Série Dell’Arte Concertos Internacionais 2010 trará ao Theatro Municipal, no próximo dia 18, uma das melhores orquestras internacionais de jazz em atividade. O detalhe: a big band é legitimamente holandesa. Fundada em 1996 como New Concert Big Band, teve seu nome ligado ao Concertgebouw, uma das melhores salas de concerto de Amsterdã e da Europa, três anos depois, passando a denominar-se Jazz Orchestra of the Concertgebouw (JOC).

Inicialmente, a série só apresentava música clássica. Com o passar do tempo, o gosto dos espectadores evoluiu. Os organizadores passaram a incluir ao menos um programa de jazz por ano. "Há mais de cinco anos estamos experimentando incluir doses homeopáticas de jazz dentro da programação, sentindo a reação de nossos assinantes. Ela foi muito boa, chegando mesmo a nos surpreender.", conta Steffen Dauelsberg, diretor executivo da Dell’Arte.

A JOC, com o maestro Henk Meutgeert, reúne os mais talentos músicos de jazz da Holanda. Já dividiu o palco com grandes nomes como Chick Corea, Joe Henderson e Oleta Adams. Para a apresentação no Rio, o grupo preparou um programa especial que homenageia os grandes nomes do jazz, com peças de Gil Evans, Bud Powel, Gery Mulligan, Miles Davis e Duke Ellington, entre outros.

O repertório é constituído basicamente por música contemporânea escrita para conjuntos de big band por compositores holandeses e internacionais. Nos últimos anos, a orquestra contabilizou mais de 800 arranjos e composições e desenvolve estreita colaboração com solistas mundialmente aclamados.

De acordo com Dauelsberg, "a música contemporânea é aquela que se afastou da tonalidade, abrindo novas formas de criação musical. No que se refere ao jazz, é a vertente criada por mestres como Miles Davis e que teve grande influência em países europeus como a Holanda, França e Dinamarca. De lá partiu uma influência no sentido inverso, levando ao jazz americano uma linguagem mais ‘culta’ e refinada. Hoje, os músicos desses três países são responsáveis por algumas das melhores criações do jazz contemporâneo."

O público pode esperar um concerto do mais alto nível. Além da tradição musical do Concertgebouw, a Holanda é um dos mais importantes centros de jazz da atualidade. "Quando você pega músicos de formação clássica da melhor estirpe e permite que eles improvisem, soltem suas amarras, dá nisso que o público vai poder testemunhar", completa Dauelsberg.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Perc Pan chega com novos ritmos

Rodrigo Martins

Considerado um dos maiores festivais de música percussiva do mundo, chega ao Rio o Perc Pan – Panorama Percussivo Mundial. Em sua 17ª edição, com organização de Beth Cayres, passará pelo Oi Casa Grande, na segunda e terça-feiras e pelo Canecão, na quarta. Na programação estarão incluídos artistas de todos os cantos do mundo. Músicos de Bénin (África), da Macedônia, de Portugal e das Américas agregarão o que sempre foi o norte intelectual do projeto: comoção e transformação. “A comoção ficará por conta do time que montamos para este festival, trabalhos novos, diferentes, super-interessantes. A transformação será promovida, como sempre, pela troca de informação musical qualificada”, explica Cayres.

Beth é socióloga e antropóloga. Seguindo seu instinto, durante o boom da música percussiva na Bahia – com Olodum e Carlinhos Brown –, resolveu se aprofundar e pesquisar a respeito. Após imersão em festivais de música da África, Europa e Ásia, em 1994, ela amadureceu a ideia do primeiro Panorama Percussivo Mundial. “O som da África está em tudo, em cada vertente você vê um pouco das batidas africanas. Isso é sensacional. A África liberou muita coisa em nível de ritmo. Neste festival, os encontros e intercâmbios são maravilhosos.” Desde então, a socióloga não parou mais, e todos os anos passa pelo mesmo processo. “Não é um trabalho fácil. São meses de pesquisa, estudo, captação de recursos, parceiros, incentivos e apoio. Só com uma organização excelente é que podemos garantir um festival de qualidade.”

A diversidade cultural este ano será enorme. Só no Rio, das nove atrações, sete serão estrangeiras. A novidade ficará por conta do som oriundo de Tijuana. O Nortec Collective mistura música nortenha (típica do norte do México) com techno e oferece o que há de melhor na cena eletrônica mexicana atual. Esta inusitada mistura de DJs e VJs (videoartistas) produz com sincronia e perfeição a combinação entre som e imagem.

De Bénin, na África, foi convidada a lendária orquestra Poly-Rythmo, da cidade de Cotonou, que quase não veio por que, devido a questões religiosas, não queria entrar no avião. A orquestra usa os ritmos vodu que viajaram do Golfo da Guiné para o Haiti. Seu primeiro trabalho em 20 anos virou uma das sensações da mídia musical europeia e fala do ‘segredo musical mais bem guardado da África’. Admirada por Franz Ferdinand, que participou do novo disco, seus ritmos representam a mistura do funk e do soul.

Da Macedônia, a Kocani Orkestar, de etnia cigana e reconhecimento internacional, apresenta o talento do seu novo vocal, o carismático jovem Ajnur Azizov. Tocam rock cigano como uma selvagem banda de funk mutante, misturando riffs de bronze, em estilo James Brown, com influências orientais e do Leste Europeu.
De Portugal, As Tucanas, um grupo formado por cinco mulheres, não podiam faltar ao Perc Pan 2010. Com músicas próprias, que elas interpretam desde 2001, seu som é construído com bidons (reservatórios) de plástico, cabaças de água, surdos, agogôs, djembés (um tipo de tambor originário de Guiné na África ocidental) e seus próprios corpos. Ana Cláudia, Catarina, Mónica, Sara e Marina fazem uma música alegre, divertida e orgânica.

Beth tem certeza que o objetivo será alcançado: o intercâmbio cultural. “Cada ano é um ano diferente, mas é sempre como começar o primeiro. Estamos o tempo todo em busca da melhoria e da valorização cultural. A preocupação com o conteúdo é enorme, então existe muita cautela na hora da escolha dos convidados. Analisamos qual será a contribuição para o intercâmbio e para o ritmo brasileiro. Toda a mistura, toda ‘pluralidade’ são os diferenciais do Perc Pan e esta edição será mais uma festa do ritmo.”
Além dos shows, haverá workshops com os próprios artistas, na próxima segunda-feira, no Instituto Oi Futuro. As inscrições terminam nesta sexta-feira. Quem quiser participar deverá se inscrever no site http://percpan.com/2010/rio-de-janeiro.

Perc Pan 2010
Teatro Oi Casa Grande
Segunda e terça-feiras
Às 20 horas
Canecão
Quarta-feira
Às 20h30

Como saiu no Jornal do Commercio
Edição de sexta-feira e fim de semana, 1º, 2 e 3 de outubro de 2010
Carderno Artes, página 6 (contracapa)

O jazz de Brad Mehldau no Municipal

Rodrigo Martins

Segunda atração da série Jazz All Nights, Brad Mehldau se apresenta neste sábado no Theatro Municipal, às 20h30, em apresentação solo. Considerado um dos maiores expoentes do jazz moderno, ele não acredita que exista tal gênero musical.

“Existe boa música. O modo como você se aproxima dela pode ser moderna ou não.” Antes de tudo, Mehldau é um improvisador e encanta a todos com a espontaneidade musical e a forma com que monta seu repertório. “Não pretendo tocar nada em particular. Eu toco o que vem à minha mente. Às vezes uma música nova, às vezes uma já conhecida.”

Desde os anos 90, Mehldau vem se apresentando com seu trio e como pianista solo. A produção mais consistente até os dias de hoje tem sido em grupo. A banda, formada inicialmente pelo baixista Larry Grenadier e o baterista Jorge Rossy, hoje, tem Jeff Ballard no comando das baquetas. Aos 39 anos, Mehldau já gravou 15 discos para dois selos – Warner Bros. e Nonesuch, sendo um deles inteiramente solo. Em março deste ano lançou seu último CD, Highway rider, um álbum duplo em parceria com o Jon Brion, renomado produtor, que já havia feito um trabalho com ele na gravação de Largo.

Mehldau não tem uma preferência quanto a tocar sozinho ou em grupo. Gosta de ambos. A improvisação não fica comprometida e para cada tipo de apresentação há uma forma diferente de lidar com a criatividade. “A principal diferença é que no trio você tem um compromisso com o baixista e o baterista. Por outro lado, você pode compartilhar, trocar ideias. Em um contexto solo, tenho que lidar apenas comigo mesmo. Posso seguir em qualquer direção, sempre que eu quiser.” Detentor de uma carreira brilhante, já gravou com outros artistas, participou de trilhas sonoras e recebeu vários prêmios.

Jazz All Nights, Brad Mehldau
Theatro Municipal
Sábado, 2 de outubro
Às 20h30
Preços:
Frisa e Camarote: R$ 720
Balcão Nobre e Plateia: R$ 120
Balcão Simples: R$ 60
Galeria: R$ 40
Telefone: (21) 2262-3501

Como saiu no Jornal do Commercio
Edição de Sexta-feira e fim de semana, 1º, 2 e 3 de outubro de 2010
Carderno Artes, página 5

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O melhor do barroco no Municipal

Rodrigo Martins

A Série Dell’Arte Concertos Internacionais 2010 traz ao palco do Theatro Municipal a consagrada Musica Angelica Baroque Orchestra. Fundada em 1993, em Santa Mônica, Califórnia, é famosa por utilizar instrumentos de época e especializada na intrepretação da música do período que vai do barroco ao início do clássico. A orquestra prioriza a pesquisa de compositores menos conhecidos com grande valor musical. Nesta segunda-feira, às 20 horas, a quinta atração da 17ª edição da série apresentará ao público carioca peças de Telemann, Bach, Mozart, Vivaldi, Händel e terá como solistas Suzie LeBlanc (soprano), Ilia Korol (violino), Gonzalo Ruiz (oboé) e Stephen Schultz (flauta).

Os regentes convidados são estrelas da música clássica como Rinaldo Alessandrini, Giovanni Antonini, Harry Bicket, Paul Goodwin, Nicholas Kraemer, Rachel Podger e Martin Haselböck, que tornou-se diretor musical na temporada 2005/2006. Segundo Haselböck, "uma das músicas mais profundas e interessantes de todos os tempos foi escrita no período barroco, com Bach, Händel e outros. Eu busco qualidade, não só no barroco. Utilizamos instrumentos de época por que é mais fácil e natural para obter os sons e a articulação musical desejada pelo compositor”.

Na temporada 2006/2007, embarcaram em sua primeira turnê internacional, que ficou marcada por lotações e ampla aclamação da crítica. O giro proporcionou uma colaboração única entre duas orquestras de diferentes continentes: a Musica Angelica e a Orchester Wiener Akademie da Áustria, de Martin Haselböck. Juntas elas apresentaram 13 concertos da monumental Paixão segundo São Mateus de Bach. Passaram por Los Angeles, Cidade do México, Budapeste, Viena, Madri, Bressanone e Merano (Itália), Baden-Baden e Munique (Alemanha). "Sou fundador e diretor musical da Orchester Wiener Akademie. Viajamos o mundo há 20 anos e nosso primeiro tour pela América do Sul, no ano passado, foi uma experiência maravilhosa para todos", regozija-se Haselböck.

Em 2007, a Musica Angelica aumentou seu prestígio com um contrato para a gravação de quatro CDs para o selo alemão New Classical Adventure (NCA). O primeiro deles, lançado em 2007, foi a ópera Acis and Galatea de Händel; o segundo, em 2008, traz os principais músicos da orquestra como solistas de concertos de Telemann; e o terceiro, com três cantatas de Bach, foi lançado no ano passado. "O quarto CD acaba de ser lançado. São obras de música de câmara por Bach, Telemann e Härtel", completa Haselböck.
Além de apresentar suas próprias séries de música orquestral e de câmara, o conjunto colabora com instituições de artes importantes do sul da Califórnia como as Óperas de Los Angeles e Long Beach, Los Angeles Master Chorale, Pacific Chorale e os museus J. Paul Getty e Norton Simon.

Haselböck diz que "a Califórnia tem uma vida artística muito rica com expoentes que vão da indústria cinematográfica à dança. Eu tive a sorte de usar algumas dessas conexões. Estamos trabalhando com um grande ator americano, John Malkovich, e preparando um projeto com o grupo de dança Diavolo Dance Company”.

Para Haselböck, a contribuição do barroco para a cultura mundial advém do "pensamento que o artista não está criando de si mesmo, mas que existe um sistema complexo de natureza, de filosofia, de comportamentos humanos que são apenas refletidos na arte e música barrocas". Quanto à busca por compositores menos conhecidos, o diretor musical explica que "existem maravilhosos estilos regionais na música barroca: o austríaco, com compositores como Biber e Schmelzer ou o francês, com uma variedade de excelentes mestres. Todos estes, por sua vez, apresentam gosto e educação musical, além de fantasia e novos pensamentos musicais”.

Segundo Steffen Dauelsberg, diretor executivo da Dell’Arte, "a música barroca vem sofrendo uma constante reavaliação por parte de público e crítica desde meados dos anos 50. O prestígio do gênero só fez crescer nas últimas décadas, com o surgimento de conjuntos especializados na ‘música antiga’, quase sempre apresentada com instrumentos de época ou similares modernos.”

Como saiu na edição do Jornal do Commercio.
Sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de setembro de 2010.
Caderno Artes, página 3.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Jazz de Nova Orleans no Municipal

Rodrigo Martins

Os fãs da música podem comemorar. A nova edição da série Jazz All Nights já tem data marcada. No próximo dia 20 os cariocas poderão apreciar o som de uma das revelações do jazz contemporâneo e vencedor do Grammy Award 2010. O Theatro Municipal receberá o trompetista Irvin Mayfield e sua New Orleans Jazz Orchestra (NOJO). A apresentação reunirá o melhor do estilo musical, além de blues, suingue e spirituals. Segundo Mayfield, "o programa evocará o maravilhoso som do blues, a incrível comida, a magnífica arquitetura, o criativo espírito literário e a célebre joie de vivre de Nova Orleans."

Fundada em 2002, a NOJO tem 20 músicos. Sua inspiração vem da tradição do jazz de Nova Orleans. Consegue misturar de forma criativa e inteligente as sérias partituras com as brincadeiras e o senso de humor originais do gênero. Além de uma banda de música é também uma organização beneficente preocupada com a educação. 


Em 2008, para promover a junção do jazz com o ensino, Mayfield criou o New Orleans Jazz Institute (NOJI). Desde então, o NOJI lançou diversos programas de incentivo, dentre eles um concurso de bolsas para o ensino médio, e criou a Universidade da New Orleans Jazz Orchestra (UNOJO), uma orquestra de alunos que segue o padrão da NOJO.

Logo após o furacão Katrina, em 2005, que acabou vitimando o pai de Irvin Mayfield, a orquestra tornou-se uma esperança cultural para uma cidade em busca da recuperação de suas tradições. O artista e sua banda foram chamados para a reabertura oficial de Nova Orleans e apresentaram uma peça composta por ele. "A música é a razão pela qual precisamos reconstruir Nova Orleans", invocou Mayfield.

Representante do legado de Nova Orleans, Mayfield é considerado um dos mais consagrados músicos de jazz de sua geração. Este versátil trompetista detentor de um Grammy e um Billboard, é visto como um homem apaixonado pela rica história e cultura de sua cidade. Tal paixão explica o cargo de Embaixador Cultural de Nova Orleans, concedido em 2003, e a recente nomeação para o Conselho Nacional de Artes de seu país.


Jornal do Commercio, dia 10 de setembro de 2010, Caderno Artes, página 5


Irvin Mayfield

10/09/10 - Orquídeas

texto e foto: Renata Mor

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

03/09/10 - Videogame

texto: Leonardo Coqueiro / ilustração: Paulo Nascimento

Antropofagicamente modernista

Rodrigo Martins

“A proposta do meu trabalho é trazer pessoas como eu, que não tiveram oportunidade, aos centros culturais, aos grandes museus. É fazer uma ponte para que eles possam se interessar por arte”. Este é o sonho de Paulo Santos, artista maranhense, nascido em Santa Luzia e morador do Realengo. Descobriu aos sete anos que possuía dom para o desenho, quando o pai o levou ao cinema pela primeira vez e, a partir deste momento, começou a desenhar as cenas como uma história em quadrinhos.

Sua grande paixão era ser cineasta, aquela experiência abrira sua mente e o fez vislumbrar o mundo das artes. Como todo autodidata, começou a ler, pesquisar e, aos poucos, foi se interando cada vez mais até ganhar uma bolsa de dez anos numa escola de artes. Infelizmente, problemas familiares o impediram de dar continuidade ao que realmente gostava de fazer. Precisou se afastar dos estudos e, por conta própria, começou a explorar este universo.

Iniciou trabalhos com aerografia e serigrafia e conheceu as primeiras técnicas de estêncil com Alex Vallauri. Além destas vertentes, Paulo Santos trabalhava nas áreas de cenografia para cinema, televisão e carnaval, o que o levou a ser chamado pelo Centro Cultural Banco do Brasil para fazer banners e montar algumas exposições. Impulsionado, participou da elaboração de cenografia para o Museu de Artes Modernas, Museu de Belas Artes e diversos centros culturais. Foi sua primeira experiência no cosmo das artes plásticas.

Resolveu pintar, mas não sabia o quê nem como conseguir esta proeza. Ficou dez anos tentando. Bateu em várias portas, mas sempre diziam que sem estudo ele não chegaria a lugar nenhum. Não desistiu. Continuou fazendo seus quadros, na garagem de 12 m², onde consegue se organizar e produzir quadros antropofágicos e surrealistas, misturando um olhar crítico às questões sociais, étnicas, políticas e religiosas, sem esconder um pessimismo quanto ao futuro do País. Em suas telas há sempre olhares perdidos na incerteza em relação aos caminhos que a nação seguirá.

“Minha inspiração surgiu através do ambiente em que eu vivia. Resolvi pintar alguma coisa que vinha de dentro. Não me conformava quando minha mãe chegava em casa reclamando da contribuição que dava à Igreja em troca de uma bênção maior. Este foi o tema do meu primeiro quadro: Mercado Divino”, explica Santos.

Foi chamado, então, por um amigo, André Kuke, para colocar os quadros na sua loja de tatuagem, em Realengo, onde queria estruturar, junto ao que fazia, um café e uma galeria de artes. Certo dia, apreciando as obras, Alê Souto fez o convite inesperado. Chamou Santos para participar da coletiva Vem na mão, no Centro Cultural Justiça Federal, apresentando apenas dois de seus quadros, Profeta Gentileza e Noites de Copacabana. Dos 13 artistas presentes, Paulo Santos foi o que mais fez sucesso.

“A dificuldade do artista gira em torno do preconceito. A arte é para a elite ver. Artista do subúrbio, até mesmo do interior do Brasil, não tem muito espaço. Já vi muitos talentos por aí. Existe uma certa dificuldade para penetrarem nos centros culturais”, nos conta o curador Airton Igreja.

Um ano depois da primeira coletiva, Santos é chamado para sua primeira individual. Com dez obras expostas, o artista nos explica um pouco do seu viés e do apelido que um amigo deu ao seu estilo. “A antropofagia vem do modernismo de artistas consagrados, que quebraram padrões rígidos. Eu costumo digerir imagens conhecidas e regurgitá-las sob um formato bem brasileiro. Quanto ao Pop Arte Tupiniquim, é um apelido em referência ao movimento surgido nos anos 60, que utilizava o deboche à propaganda como forma de expressão. De fato, meus quadros apresentam sempre um tom sarcástico”.

Exposição Paulo Santos
Centro Cultural Justiça Federal
Av. Rio Branco, 241 – Centro
De terça a domingo, das 12h às 19h, até 3 de outubro
Visita orientada com o artista, 9 de setembro às 18h

email do artista: pross_air@hotmail.com

Como saiu no Jornal do Commercio
edição do dia 3 de setembro de 2010, Caderno Artes, página 6



































Obras do artista

Paulo Santos e a obra Madame Satã


Paulo Santos em seu ateliê
























Mercado Divino



















Morro


Vênus brasileira

São Jorge

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A nostalgia do futuro

Rodrigo Martins

O fotógrafo Rodrigo Queiroz se autodenomina um "caçador de universos". Diz que busca sempre captar detalhes, momentos particulares do que pretende ilustrar, com o objetivo de registrar a vida "além do que já é conhecido pelas pessoas". A vontade de fotografar a Rocinha, maior favela da América Latina, vinha de muito tempo, quando passava por São Conrado e via aquele amontoado de casas, como um enorme painel quadriculado.

O resultado da empreitada, "Rocinha: cotidiano e arquitetura", estará em exposição no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) até 26 de setembro. Com curadoria de Marco Antonio Portela, a mostra é gratuita e ficará aberta ao público de terça a domingo, das 12h às 19h. Reúne 34 fotos das mais de 600 registradas entre novembro de 2008 e setembro de 2009.

"Foi quase um ano de convivência com a comunidade. Esperei de três a quatro meses, mais ou menos, para que o ambiente me absorvesse. As pessoas eram muito fechadas e precisei deste tempo para adquirir a confiança dos moradores. No início, deixava minha máquina em cima de uma mesa e pedia uma água. Muitas vezes saía de lá sem tirar uma foto".

Ele diz que se considera obsoleto. Procura manter uma forma de fotografar e tratar as imagens semelhante ao método analógico, quando usava-se filme de grãos de prata de 35 milímetros de largura, que era revelado em laboratório com produtos químicos. Hoje, programas de computador específicos ajudam bastante o processo. "No laboratório, aprendi a usar filtros, ampliar, reduzir. Hoje, aplico as mesmas técnicas, mas é tudo mais fácil". Para ele, a qualidade das imagens digitais ainda vai demorar para chegar ao nível do cromo, que é o positivo de uma foto. "As imagens dos monóculos foram transformadas em cromo a partir do digital. Têm tanta definição que podem mostrar detalhes do dente de uma pessoa" , exemplifica.

Queiroz disse ainda que está em processo de captação de recursos para a publicação de um livro com todas as imagens deste período de exploração de um universo outrora visto pela maioria da população mundial como apenas uma gigantesca favela.

Com a preocupação de apresentar a Rocinha real e inserir o público na energia do local, a apenas 15 dias para o início da mostra, o curador Marco Antonio Portela alterou o formato previsto inicialmente. Para que houvesse maior participação dos visitantes, o curador sugeriu alterar os tamanhos das fotos – que seriam expostas em papel –, instalar monóculos com as mesmas em cromo e tamanho reduzido e elaborou uma sala de projeção com ambientação sonora, onde é possível acompanhar as imagens em slides ouvindo sons típicos da comunidade, como gravações de algumas das cerca de 300 rádios existentes.

"Quis quebrar a rigidez e a frieza das imagens penduradas, mostrar o ambiente orgânico e caótico do local, provocar maior imersão na obra. O monóculo remete a um objeto carinhoso, familiar, aproxima o observador do que existe lá dentro. A sala de projeção desloca o visitante do real para o ambiente retratado", explica Portela.

A oportunidade de Queiroz realizar o trabalho surgiu quando foi chamado para fazer uma matéria sobre turismo internacional e teve a chance, finalmente, de conhecer a Rocinha. Era tudo o que precisava para retomar o que mais gosta de fazer: fotografar. Descobriu sua vocação no sexto período da faculdade de jornalismo. Após entrar pela primeira vez num laboratório de fotografia e ter a certeza de que era com aquilo que pretendia trabalhar. Como editor, já não tirava mais fotos e começou a ficar desanimado com a profissão. "Estava quase pedindo demissão, fiquei muito feliz quando pude dar início a este projeto. A Rocinha salvou a minha vida", conta.

Queiroz buscou lugares onde os próprios habitantes não costumam ir. Conheceu a favela de um extremo a outro e tirou fotos até da reserva ecológica, pouco conhecida pela sociedade, hoje em dia, protegida por um muro. Lá, encontrou muitas casas só de madeira. Um dos elementos que mais chamou sua atenção foi o caos – o crescimento urbano desordenado, que traz uma arquitetura peculiar, e a falta de espaço para a população, que resolve o problema com extrema criatividade. "Se uma pessoa mora no terceiro andar de um prédio e ganha um dinheiro a mais, ela compra o terceiro andar do prédio à frente e constrói uma ponte para facilitar a passagem", exemplifica.

Não deixem de ver o trabalho deste artista: http://www.rodrigoqueiroz.art.br/

Esta é minha primeira matéria publicada em um jornal impresso.
Fica o registro: Jornal do Commercio, dia 20/08/2010, caderno Artes, página 5.